Em vídeo que circulou nas redes sociais há algum tempo, um jovem quadro do MPLA, Norberto Garcia, já então conhecido pela determinação com que defende o seu presidente em repetidas intervenções televisivas, gravou o seguinte depoimento:
Por Alfredo Muvuma (*)
“C ostumo dizer que seria bom que nós pudéssemos produzir uma réplica de vários José Eduardo dos Santos. Se nós neste país pudermos produzir isso, vai ser um feito muito importante, porque José Eduardo dos Santos é um filho raro e ainda bem que ele nasceu na pátria e solo angolano e estamos mais felizes. Ainda hoje percebe-se quantos países africanos vêm a Angola beber a nossa experiência. Eu penso que esta liderança é uma liderança equilibrada, certa, consequente, e é a liderança que os angolanos precisam e vão precisar por muito tempo.”
Aquilo que qualquer ser humano razoável tomaria como o delírio de um Norberto Garcia obcecado por trepar na vida, queimando etapas, aparentemente soou muito bem a alguns ouvidos.
De tal sorte, que o autor do disparate iniciou a partir dali uma fulgurante ascensão, quer no aparelho partidário, quer no aparelho de Estado. Chegou a membro do Comité Central do MPLA e foi nomeado director da Unidade Técnica de Investimento Privado, com a valência de assessor económico do PR.
Estão previstas num futuro próximo megamanifestações de idolatria a José Eduardo dos Santos, esse o jovem Norberto será garantidamente um dos seus principais rostos. Por isso, vale a pena reflectir um pouco sobre o que ele disse.
1. O jovem, precocemente afectado pelo vício do carreirismo, começa por citar-se a si próprio, afirmando: “Costumo dizer que seria bom que nós pudéssemos produzir uma réplica de vários José Eduardo dos Santos.”
Ainda bem que o rapaz falou apenas por si próprio. E ainda bem que o país tem apenas um José Eduardo dos Santos. Dois ou mais homens com o mesmo perfil e respectivas proles afincadamente retalhando Angola seriam insuportáveis.
2. “José Eduardo dos Santos é um filho raro e ainda bem que ele nasceu na pátria e solo angolano.”
Plenamente de acordo. José Eduardo dos Santos é, sem dúvida, uma figura rara. Só um homem raro privatiza para si próprio o Estado; só homens incomuns transformam o Estado num parque de diversões dos seus filhos, em que cada qual escolhe a atracção preferida. Só mesmo um homem de rara insensibilidade, e desprezo para com o seu povo, se mostra indiferente à grave crise económica que fustiga a maioria dos angolanos. Só esse homem inventaria uma obra (a nova marginal da Corimba) – ao custo de 615.2 milhões de dólares – necessária sem dúvida, mas não prioritária, com o único fito de desviar mais dinheiro para a sua insaciável primogénita, a Isabel.
Só um homem raro comete a proeza de deixar de rastos um país que há menos de dez anos era uma referência mundial devido às taxas de crescimento anual da sua economia. Só um homem raro consegue a proeza de transformar Angola numa falida república das bananas, onde a corrupção, o nepotismo e a exclusão só não têm dignidade constitucional por mera distracção ou por esquecimento dos capachos que lhe construíram o simulacro de Estado de Direito e Democrático que dirige pavoneando-se. Só um homem raro transforma em política de Estado a pilhagem e o saque dos recursos económicos do país.
3. Mais adiante, o jovem delirante dispara: “Ainda hoje percebe-se quantos países africanos vêm a Angola beber a nossa experiência.”
Por muito pouco, o jovem não transformou o seu ídolo no maior estadista de todos os tempos. Provavelmente, a juventude não lhe permite perceber que a romaria a Luanda de muitos chefes de Estado de países africanos tinha um único objectivo: buscar dinheiro fresco. Também por causa da tenra idade, o jovem pode não ter tomado conhecimento de uma denúncia da revista Jeune Afrique segundo a qual a antiga presidente da República Centro Africana, Catherine Samba-Panza, tomou para si própria metade do dinheiro fresco que recebeu de Luanda como suposta ajuda ao governo daquele país. A romaria a Luanda acabou tão logo o preço do petróleo derrapou e Angola ficou sem dinheiro para continuar a subornar e a corromper líderes estrangeiros.
Não se iluda, jovem Norberto: foi o nosso dinheiro que durante algum tempo fez de Luanda a Meca de África. Desde que as tetas secaram, quase todos os presidentes que antes não se cansavam de gabar a experiência de notre frère José Eduardo dos Santos seguramente já não serão capazes de localizar Luanda num mapa.
Se José Eduardo dos Santos fosse a expressão máxima da experiência, como sugere o rapaz, não teria hoje entre os seus melhores e quase únicos interlocutores os golpistas Teodoro Obiang Nguema Mbasogo (equato-guineense) e Joseph Kabila (congo-democrata) ou o déspota zimbabweano Robert Mugabe. As frequentes vindas a Luanda do presidente da República Centro Africana, uma figura que não conta no plano mundial, são parca consolação para o nosso “filho raro”.
Resumindo: o militante carreirista jamais verá realizados em Angola os seus sonhos, pela simples razão de que os angolanos, a maioria dos angolanos, já deixaram de ter os olhos vendados.
(*) Maka Angola